A exposição Alumbramento, instalada no Museu Nacional da República, no centro de Brasília, deu a largada, nesta quarta-feira (23), para as inúmeras atividades do 18º Festival Latinidades até o próximo dia 31.
A galeria de obras de 25 artistas negros e indígenas das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil compõem uma espécie de cartografia plural.

Jaqueline Fernandes convida o público a viver a arte como ritual – Ester Cruz/Divulgação
A fundadora do Festival Latinidades e diretora do Instituto Afrolatinas, Jaqueline Fernandes, disse à Agência Brasil que a exposição Alumbramento convida o público a viver a arte como ritual, memória e fé até 24 de agosto.
“Alumbramento é uma exposição que propõe uma travessia sensível pelo escuro fértil da criação artística”, detalha.
Na entrada da sala, o visitante se depara com a escuridão como se fosse o momento que precede o nascer de tudo e de todos. “Não como vácuo, mas como matriz de todas as possibilidades. Nessa perspectiva, cada obra apresentada é um fragmento de universos em expansão, ecoando a explosão criativa que nos constitui”, diz o texto que apresenta a exposição ao público, contextualizando as obras como férteis, na visão da curadora Nathalia Grilo.
Todo pintado em azul, o espaço tem as obras sensoriais dispostas sem divisórias, porém, organizadas em quatro ciclos solares correspondentes às fases da existência, na visão de mundo físico e espiritual Bantu Dikenga: a primeira na zona Musôni, dedicada ao invisível e ao renascimento; Kala, espaço da aurora e da origem; Tukula, representando a plenitude. Por fim, Luvemba, território do oculto e do recomeço.
Na abertura da exposição, na manhã de hoje, a pesquisadora Nathalia Grilo relatou o processo de escolha dos autores, que muitas vezes, são jovens e ela não os conhece no mercado das artes ou estão fora do circuito institucional. “Eu não conheço, necessariamente, os processos dentro do atelier. Mas as obras comunicam para mim esse compromisso com o fazer cotidiano, com viver em estado de arte. A gente está o tempo todo aberto para esses estados de maravilhamento”.

Natalia Grilo (2e) fala sobre o processo de escolha dos artistas- José Cruz/Agência Brasil
A estudiosa explica que a escolha do posicionamento das artes considerou a idade dos artistas, as gerações que esses artistas fazem parte e a experiência dentro do circuito da arte contemporânea e prêmios, dentro das quatros zonas do cosmo Dikenga. “São como o momento antes do nascer, o amadurecimento e a morte. […] A curadoria busca botar essas gerações para dialogar”, detalha Nathalia Grilo.
Quem faz a arte
Baiana de Salvador, Luma Nascimento é a autora da obra Corpo de lembrar que chão também é memória, que costura miçangas de cor alaranjada, pretas e brancas, entrelaçadas acima de pipocas dispostas no chão em um grande círculo e três punhados de terra coletados no Quilombo Mesquita, de 279 anos, localizado na Cidade Ocidental (GO), onde vivem cerca de 3 mil famílias remanescentes de escravos.
Luma Nascimento relembrou que, neste mês, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) determinou que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) conclua em até 12 meses o processo de regularização fundiária desta comunidade quilombola. Luma Nascimento fala sobre a simbologia do que ela recolhe dos solos de outras terras quilombolas, desde 2016.
“Fui percebendo que o chão do quilombo era um dos poucos espaços que a terra tinha uma memória de liberdade para pessoas pretas e negras. […] Dentro e fora do campo religioso, este é um processo de topologia da memória e de como eu posso criar um processo de conexão e reconexão com o espaço.”
A artista visual Vitória Vatroi levou à exposição três fotografias captadas durante as filmagens do curta-metragem Deságue, na Zona da Mata do pernambucana. Após revisitar a caixa de fotografias deixada por sua avó falecida, a artista sabia que poderia encontrar em Tracunhaém (PE), cidade de origem de parte da sua família, as respostas necessárias à falta de memória da população negra. “Eu olho desde a minha prática de modelagem com a argila até o processo performático com a terra como um elemento vivo e pulsante de memórias […] Pensando que a memória é uma coisa muito cara pra população negra-indígena do Brasil, por conta desse reconhecimento da nossa ancestralidade, desses fragmentos, esses vazios.”
Já a artista transgênero, Rafaela Kennedy, de Manaus, trouxe a fotografia da série Lamento, tirada no território Salvaterra, na vila de Joanes, na Ilha do Marajó (Pará). Ele conta a história do seu trabalho retratando outras travestis e a experiência de outras pessoas, mas que na exposição Alumbramento, quis falar dela própria.
“Enquanto travesti brasileiro a gente sabe que permanecer vivo em um território que é extremamente violento é uma dádiva. Eu percebo que ao me tornar parte do trabalho, passo a me questionar sobre meu pertencimento ao território amazônico, sendo uma pessoa nascida em Manaus.”
Nelson Crisóstomo, nascido em São Gonçalo (RJ) há 65 anos, trouxe a obra com tingimentos em tecidos e trata da troca intergeracional de conhecimento. “Trabalho com memória afetiva, e meu saber é derivado daqueles que dominavam as técnicas de tingimento, extraindo cores de vegetais e minerais. Esses conhecimentos eram transmitidos intuitivamente, no cotidiano. A sistematização veio com o tempo. Hoje, lidar com processos contemporâneos de impressão, texturização e grafismo como forma de expressão é enriquecedor por meio dessa troca.”
Pairando no Centro-Oeste, o artista de Goiânia, Gilson Plano, trabalhou com peças pequenas de chumbo e pérolas negras, em uma espécie de “encantamento” material, como ele mesmo define. A instalação conta ainda com caixas de som. “Penso na parte dos materiais e o que eles contam para a gente, a partir das histórias que eles carregam”.
Para o artista, este trabalho tem uma provocação simples que é pensar em dois pesos, mas com a mesma medida. “Parece a mesma coisa, mas são valores diferentes, por conta das materialidades que eles [chumbo e pérolas negras] carregam”.
A exposição Alumbramento conta com as obras expostas dos seguintes artistas: Ana Neves, André nódoa, Antônio Bandeira, Antônio Obá, Arorá, Dani Guirra, Gilson Plano, Guayasamín, João do Nascimento, Josafá Neves, Josi, Lane Marinho, Lúcia Laguna, Luma Nascimento, Maxwell Alexandre, Nelson Crisóstomo, Nivalda Assunção, Paty Wolf, Pedro Neves, Rafaela Kennedy, Romulo Alexis, Sérgio Vidal, Suyan de Mattos e Vitória Vatroi.

Exposição Mirasawá Alumbramento no 18º Festival Latinidades – José Cruz/Agência Brasil
Festival Latinidades
Na edição de 2025, o Festival Latinidades tem o tema Mulheres Negras Movem o Mundo e homenageia a intelectual e ativista do movimento negro Lélia Gonzalez (1935-1994).
O evento é parte das ações do Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha, celebrado anualmente em 25 de julho.
Jaqueline Fernandes, diretora do Instituto Afrolatinas, diz que o evento debate o enfrentamento das estruturas de desigualdade que ainda marcam profundamente a sociedade brasileira. Ela detalha os principais desafios da atualidade para a garantia de direitos às mulheres negras.
“Isso passa por políticas públicas eficazes, investimento em educação antirracista, garantia de representatividade nos espaços de poder, valorização da cultura negra e combate à violência institucional. Mas também passa pela mudança de mentalidades e pela construção coletiva de uma nova ética social e pacto civilizatório”, diz Jaqueline Fernandes.
>>>> Confira a programação completa do festival.
*colaborou Beatriz Arcoverde, Radioagência Nacional
Fonte: Agência Brasil/EBC